VOCÊ AGUENTA SER FELIZ?
Nizan Guanaes
Eu fiz uma cirurgia bariátrica há muitos anos, de maneira estabanada, para me livrar dos meus antigos 150 quilos.
Meu pai morreu do coração aos 45 anos, e eu não podia continuar com aquele peso.
O médico diz que você vai poder comer de tudo. O problema é que você passa a beber de tudo também.
Eu quase virei alcoólatra.
Como, aliás, acontece com muitas pessoas que fazem bariátrica sem se preparar antes e sem supervisão depois.
E foi para cuidar dos meus excessos de cigarros, bebidas, cafés, refrigerantes e remédios para dormir que eu, graças a Deus, conheci o médico Arthur Guerra.
Ele transformou a minha vida não me entupindo de mais remédios, mas tirando esses remédios e me entupindo de esportes.
Guerra me botou para fazer triatlos e maratonas e me fez descobrir um mundo que acorda às 5 da manhã e dorme exausto e feliz às 10 da noite.
Mas, de tudo que Arthur Guerra me ensinou, nada é mais brilhante do que a pergunta dele que eu coloquei em cima da minha mesa de trabalho e que tento responder todos os dias:
“Nizan, você aguenta ser feliz?”
Esta, meu querido leitor e minha querida leitora, é a pergunta que lhe dou de presente de ano novo: Você aguenta ser feliz?
A pessoa luta para alcançar determinados objetivos na vida e, se e quando consegue atingi-los, quer mais e mais.
A gente sonha com uma meta e, quando chega lá, começa a sofrer atrás de outra mais distante.
Pedimos aos céus o que não temos, ao invés de agradecer o que já temos.
E, quando atingimos o que tanto queríamos, aí queremos neuroticamente um novo objetivo, ou seja, estamos sempre deixando para ser feliz na próxima conquista.
Isso pode ser (e é) motivador, mas muitas vezes é enlouquecedor também.
Então meu ponto aqui é que a felicidade, como tanta coisa nessa vida, é uma questão de disciplina.
O grande Dalai Lama diz que a felicidade é genética ou treinada. E de fato tem gente que é feliz por natureza.
Para nós, a grande maioria, ela é uma conquista.
É como se fosse uma outra carreira, interna: administrador de si mesmo.
E essa pessoa insaciável retratada nesta coluna está, em maior ou menor grau, dentro de todos nós.
Os felizes não a escutam. Os infelizes são dominados por ela.
Esse comportamento nos leva a fazer duas coisas que são absolutamente inúteis: tentar corrigir erros que ficaram no passado e postergar a felicidade para conquistas que enxergamos no futuro.
Ou seja, vamos passar 2021 tentando corrigir fracassos de 2020 ou adiando a felicidade para 2022.
Por isso a pergunta é necessária: Será que você aguenta ser feliz? Hoje?
Até porque as melhores coisas da vida não têm preço: amor, família, amigos, fé, respiração.
Ser feliz é quase uma dieta, uma alimentação balanceada da alma. Que mistura bens materiais e, principalmente, imateriais.
O que desejo a você leitor é o que eu me desejo em 2021 e será o meu desafio diário: que você lute para ser as coisas que quiser ser, mas não despreze o que é conquistado, o que você já é.
E que você viva 2021, e não 2020 ou 2022.
Até porque o ano que começa será, tem que ser, um ano de cura, de vacina, de vida.
2020 foi um ano de grande tristeza. De muitas perdas. De muitas e duras lições. Ficamos desesperados e muito tristes, e essa tristeza era inevitável.
Mas a vida precisa da felicidade, e a felicidade precisa da vida.
Publicado na Folha de São Paulo, 28 de dezembro de 2020.